Tudo vai sendo devidamente encaixotado, alguns dizeres vão sendo escritos nas velhas caixas de papelão: cuidado vidro, cozinha, sala, brinquedos. De repente tudo fica fora do lugar, tudo se desarruma. É um entra e sai, um frenesi, um misto de saudade e perda com animação, inovação, motivação.
Nos embrulhos, lembranças, muitas lembranças. Os velhos livros de culinária da Mamãe, os enfeites da árvore de Natal, os pratos ganhos no casamento, que há muito não vínhamos mais. Os brinquedos que lembram a infância e até aquela bicicleta, que andava pelos domingos de sol, tantos domingos passamos aqui. Os antigos cadernos vão sendo redescobertos, encontra-se naquele emaranhado de caixas, as nossas histórias. Fotos antigas, discos de vinil, a primeira boneca e até a vitrola do Papai. Histórias, gerações são desarrumadas e encaixotadas. Em meio aquelas quinquilharias nos encontramos com saudosas lembranças. Em cada caixa, em cada embrulho vão sendo resguardados nossas histórias, vão sendo encaixotados os dias vividos e as emoções compartilhadas.
Tudo isso acontece quando fazemos mudanças, temos que retirar tudo do lugar, bagunçar e depois ir encaixotando, envolvemos nossos tesouros em jornais e com muito zelo, colocamos tudo no seu devido lugar. Isso tudo não se restringe apenas em uma mudança de casa pra outra, mas também nas mudanças que fazemos em nossas vidas. Quantas mudanças não fazemos durante toda vida? Em cada fase de nossas vidas mudamos, às vezes são mudanças discretas, que nem percebemos, porém em outras ocasiões, as mudanças são enormes, gigantescas, aquelas mudanças que faz agente crescer, que faz agente nem se reconhecer.
Mudamos, e encaixotamos dentro de nós todas as nossas experiências, sejam elas boas ou más. Algumas caixas são maiores e merecem mais atenção, são delicadas e preciosas, outras largamos de qualquer jeito e de preferência só recorremos a elas quando realmente precisamos nos fortalecer. Lentamente vamos embrulhando as nossas lágrimas, as nossas conquistas, as descobertas, os amores, os anseios, as dores, os tombos, os sonhos, as marcas, os projetos. Tudo vai sendo colocado na sua determinada caixa: fé, força, amor, amigos, família, profissão, cuidado, esperança, e assim vamos sendo guiados por situações passadas, construindo novas "moradas", novos "lares".
Durante uma mudança tudo precisa ser bagunçado, retirado do lugar, alguns objetos são excluídos, outros guardamos de geração em geração, na vida também, tira-se os preconceitos, tira-se às travas dos olhos, tira-se o orgulho e guarda-se em caixinhas com laço de fita, as boas lembranças, a humildade, o respeito, o amor e passa-se de geração em geração. Nunca uma casa será igual à outra, podem até se assemelhar em alguns aspectos, números de quartos, tamanho do quintal. Nunca uma fase da vida será igual à outra, podem até se assemelhar em algum aspecto, os mesmos amores, os mesmos sonhos. Em cada mudança há novas descobertas, as caixas vão aumentando de livros, de sonhos, de cds, de lembranças, de quinquilharias, de alegrias.
O bom é que depois da bagunça e da canseira de uma mudança, vem o cheiro de casa nova, um ou outro móvel novo, reformado, tudo pronto para que novas histórias sejam ali construídas.