Família tem esse sabor de almoço
de domingo. Não importa o lugar do mundo em que você esteja, você sempre vai
sentir um sabor de reunião quando passar do meio dia em um domingo. É que a
gente se acostumou a levar na ponta da língua as experiências que a gente teve
quando era mais novo. Família também tem a cara do seu guarda-roupa e da sua
escrivaninha. O seu pai deve ter te ensinado a gostar de camisas gola polo e
daquele tipo de madeira. E a sua mãe deve ter te ensinado a separar as roupas
de frio das roupas de usar em casa, coisa que você nunca respeitou até ir morar
sozinho e descobrir a praticidade que essa organização representa. Família tem
sabor de saudade quando a gente tá longe. Mas tem gosto de abraço quando a
gente finalmente se vê.
É que sempre que eu volto pro
quintal de casa, eu me lembro de como me criei. Família é meio que tudo o que a
gente é hoje, sem deixar de ser a gente. É um espelho meio distorcido, embora
eles jurem que você se parece com eles mais do que nunca. Acho que é a vingança
saborosa da mãe em ver que a gente trata os filhos e os outros da mesma forma
que a gente recriminava. Dá pra perceber um sorrisinho de lado e aquele “eu
avisei” clássico dela. O mesmo vale pra quando o pai pergunta como vai o
trabalho e você diz que tá tudo bem. A conta bancária tá em dia e as contas tão
sendo pagas. E você se lembra daqueles conselhos chatos sobre finanças que ele
dava nas tardes de sábado quando você jogava vídeo game. A verdade é que eles
não influenciaram em muito a sua vida, mas só de ver a satisfação do velho, a
gente deixa passar.
Já me perdi contando todas as
vezes em que o coração deu aquela apertada aguda quando um deles soltou o “um
dia desses eu não vou estar mais aqui…” e fiquei mudo. É que a gente espera que
os nossos heróis sejam imortais e durem pra sempre. Ou, pelo menos, que durem o
tempo que a gente precisar deles. E esse tempo é o tempo da nossa própria vida.
Ou vai me dizer que você não descobriu ainda que os seus pais são os seus
melhores amigos? O engraçado é que a gente esconde tanto deles quando é mais
novo e liga correndo pra contar da nova promoção no trabalho quando é mais
velho. Dá até pra falar de sexo e pedir que eles não contem nada muito íntimo.
Afinal de contas, pais continuam sendo pais. Não dá pra pensar em outra coisa
sem corar as bochechas.
Família é correr um risco
desnecessário caso haja aviso. A gente teima tanto em deixar o casaco em casa e
pegar um resfriado que a mãe já até coloca na mochila pra gente não esquecer. A
verdade é que a gente esquece de propósito. Era a rebeldia adolescente de quem
não entende ainda que lar, um dia, vai virar um lugar longe que a gente visita
uma vez por mês. Família é meio que uma caixa viva de memórias que, por mais
repetitiva que seja, sempre vai mostrar uma foto nova de um ângulo diferente. É
constrangimento e contentamento. É por eles que eu escrevo hoje em dia sobre as
coisas que eu acredito. E aposto que você também teve essa influência. É por
causa deles que eu tenho as minhas manias de trocar sextas badaladas por um
café e um livro, por conta das proibições que eu odiava. É por causa deles que
eu aprendi que você deve ir ao cinema sozinho se o filme for triste. E deve sempre buscar companhia para compartilhar as gargalhadas das comédias. É por
conta dos “dois velhos experientes que não sabem de nada” que eu aprendi a
detestar música clássica. Também foi por conta deles que eu aprendi a
atravessar no sinal, fazer tatuagens escondido (e depois sentir vontade de
retirá-las) e ajudar velhinhos no trânsito. E, se hoje eu sou meio torto e meio
certo, eu devo tudo a eles. Aos meus heróis, um abraço apertado e um “eu te
amo” gigante de quem ainda tem muito a aprender sobre a vida.